Memórias de um sargento de milícias

Sobre o autor
Manuel Antônio de Almeida, jornalista, cronista, romancista, crítico literário, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 17 de novembro de 1831, e faleceu em Macaé, RJ, em 28 de novembro de 1861. É o patrono da Cadeira nº 28, por escolha do fundador Inglês de Sousa.
Era filho do tenente Antônio de Almeida e de Josefina Maria de Almeida. Órfão de pai aos 11 anos, pouco se sabe dos seus estudos elementares e preparatórios; aprovado em 1848 nas matérias necessárias ao ingresso na Faculdade de Medicina, cursou o 1o ano em 49 e só concluiu o curso em 1855. As dificuldades financeiras o levaram ao jornalismo e às letras. De junho de 1852 a julho de 1853 publicou, anonimamente e aos poucos, os folhetins que compõem as Memórias de um sargento de milícias, reunidas em livro em 1854 (1º volume) e 1855 (2º volume) com o pseudônimo de "Um Brasileiro". O seu nome apareceu apenas na 3ª edição, já póstuma, em 1863. Da mesma época data ainda a peça Dois amores e a composição de versos esparsos.
Em 1858 foi nomeado Administrador da Tipografia Nacional, quando encontrou Machado de Assis, que lá trabalhava como aprendiz de tipógrafo. Em 59, foi nomeado 2º oficial da Secretaria da Fazenda e, em 1861, desejou candidatar-se à Assembléia Provincial do Rio de Janeiro. Dirigia-se a Campos, para iniciar as consultas eleitorais, quando morreu no naufrágio do navio Hermes, próximo a Macaé.
Além do romance, publicou a tese de doutoramento em Medicina e um libreto de ópera. A sua produção jornalística - crônicas, críticas literárias - permanece dispersa. O seu livro teve grande êxito de público, embora a crítica só mais tarde viesse a compreendê-lo devidamente, reservando-lhe um lugar de relevo na literatura, como o primeiro romance urbano brasileiro. Escrito em 1852, em plena voga do Romantismo, retrata a vida do Rio de Janeiro no início do século XIX, época da presença da corte portuguesa no Brasil, entre 1808 e 1821. É um romance de cunho realista, sem os artifícios com que a técnica romântica fantasiava, deformava, embelezava ou idealizava a realidade. A crítica mais recente aponta como influência mais positiva em sua elaboração e no seu personagem protagonista o romance picaresco e costumista espanhol.
Obras: Memórias de um sargento de milícias, romance publicado em folhetins no Correio Mercantil (1852-1853), editado em livro, 2 vols. (1854-1855); Dois amores, teatro (1861).

Resumo da obra
Por ser originariamente um folhetim, publicado semanalmente, o enredo necessitava prender a atenção do leitor, com capítulos curtos e até certo ponto independentes, em geral contendo um episódio completo. A trama, por isso, é complexa, formada de histórias que se sucedem e nem sempre se relacionam por causa e efeito.

“Filho de uma pisadela e de um beliscão” (referência à maneira como seus pais flertaram, ao se conhecer no navio que os conduz de Portugal ao Brasil), o pequeno Leonardo é uma criança intratável, que parece prever as dificuldades que irá enfrentar. E não são poucas: abandonado pela mãe, que foge para Portugal com um capitão de navio, é igualmente abandonado pelo pai, mas encontra no padrinho seu protetor. Esse é dono de uma barbearia e tem guardada boa soma em dinheiro.

A origem pouco digna desse capital – o barbeiro desviou a herança que um capitão moribundo deixara à sobrinha – só será revelada posteriormente. A fórmula “arranjei-me” sintetiza, no romance, a explicação dada pelo barbeiro para a posse do dinheiro. O autor acaba por dizer que muitos “arranjei-me”, equivalentes ao atual “jeitinho brasileiro”, se explicam assim, e estende essa representação de sua história a toda a sociedade da época.

As aventuras e desventuras de Leonardo, que o autor faz desfilar diante dos leitores com dinamismo, conduzem o protagonista a apuros dos quais ele sempre se salva, graças a seus protetores. Leonardo é um personagem fixo no romance, suas características básicas não mudam.


NARRADOR Apesar do título de “memórias”, o romance não é narrado pelo personagem Leonardo, e sim por um narrador onisciente em terceira pessoa, que tece comentários e digressões no desenrolar dos acontecimentos. O termo “memórias” refere-se à evocação de um tempo passado, reconstruído por meio das histórias por que passa o personagem Leonardo.

ORDEM E DESORDEM Duas forças de tensão movem os personagens do romance: ordem e desordem, que se revelarão características profundas da sociedade colonial de então.

A figura do major Vidigal representa o polo que, na história, cuida da ordem: “O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que dava e distribuía penas e, ao mesmo tempo, o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua justiça não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processos; ele resumia tudo em si (...)”.

A estabilidade social representa a ordem, enquanto a instabilidade se refere à desordem. Dessa forma, o barbeiro, completamente adequado à sociedade, ao revelar as origens pouco recomendáveis de sua estabilidade financeira, evoca no seu passado a desordem.

Personagens como o major Vidigal, a comadre, dona Maria e o compadre pertencem ao lado da ordem. Mas os personagens desse polo nada têm de retidão, apenas estão em uma situação social mais estável.

O polo da desordem é formado pelo malandro Teotônio, o sacristão da Sé e Vidinha. A acomodação dos personagens, tanto na ordem como na desordem, está sujeita a uma mudança repentina de polo, ou seja, não existe quem esteja totalmente situado no campo da ordem nem no da desordem. Não há, portanto, uma caracterização maniqueísta dos tipos apresentados.

O major Vidigal, por exemplo, um típico mantenedor da ordem, transgride o código moral ao libertar e promover Leonardo em troca dos favores amorosos de Maria Regalada.